ENTRE DOIS MUNDOS
A arte é uma instância da ação e do pensamento humano. Ela é uma vocação intrínsica da nossa espécie que cria métodos de interpretação, transformação e criação de mundo baseados na experimentação e no empreendorismo inventivo. Por isso, entendendo-a em seus aspectos mais amplos de impulso criativo e agente dialético, a arte é atemporal e age sobre as conquistas do saber humano, da ciência e da tecnologia, retratando, refletindo e transformando as verdades do mundo.
O mundo moderno, a partir da revolução industrial, baseava-se na democratização dos bens de consumo. Os anseios por uma sociedade mais justa, de caráter utópico e socialista, baseada no socialismo científico, justificam os movimentos de origem construtiva da mesma maneira que a revelação da psicanálise amplia o conhecimento humano e permitea valorização dos movimentos surrealistas. A arte reflete essa realidade do mundo; esses mundos que coabitam o mesmo tempo e estabelecem uma curiosa e instigante equação com o espaço no qual atuam e interferem.
No mundo contemporâneo, é inegável o impacto provocado pela cibernética. A sociedade pós industrial rege-se pela troca, pela comunicação imediata, pela rede que a todos conecta, criando assim uma estética e uma ética específica e peculiar. Robson Macedo trabalha nessa fresta, nessa estratégia de criação de pontes entre o real e o virtual, entre a cor pigmento e a cor luz. Ao mesmo tempo em que seus trabalhos incorporam uma determinada tradição do objeto cromático, baseando-se em pesquisas e propostas definidas por expoentes da ciência e da filosofia, como Newton e Goethe, o artista direciona a sua ação para o embate cromático e virtual das telas de um computador.
O artista constrói artefatos que atuam na margem entre
o objeto pictórico e o objeto tridimensional, sendo construído
ENTRE DOIS MUNDOS
através de técnicas mistas de pintura, colagens, tecidos e espelhos sobre um suporte de madeira confeccionado de forma a enfatizar um tilt na estrutura da história da pintura.
A visualidade contemporânea se faz presente numa espécie de ambiguidade da cor trabalhada com intensidade dramática através da saturação e do contraste, impondo um ritmo de velocidade e tensão. Ao mesmo tempo dialoga com elementos específicos da visualidade moderna brasileira, em especial com os objetos cinéticos de Palatnik, os bichos de Lygia Clark, os farfalhantes de Carvão e com a produção da Op Art internacional.
Curioso notar também que, na sua pesquisa cromática, o artista encontra suporte em algumas pesquisas brasileiras sobre a cor, entre as quais aquelas apresentadas no livro “Da Cor à Cor Inexistente”, de Israel Pedrosa, obra que merece uma reavaliação histórica.
Ao atuar como caleidoscópio das imagens definidoras do concretismo e fragmentando-as através do espelhamento e da velocidade intrínsica do suporte virtual, Robson produz uma instigante relação entre os mistérios da sensibilidade e da razão entendendo-as como uma dualidade essencial nos desafios propostos pela arte e pela ciência. Assim, o objeto revela a sua forma através da ótica do espectador. Ele se transforma a cada momento, numa sensísel dialética entre as coisas que estão e as coisas que são. Visitar esses complexos e encantadores objetos criados por Robson permite a todos nós agirmos como agentes determinantes do processo e da ação artística, fazendo da experiência artística um ato de provocação e experimentação estética, fundamental para a ação e pertinência das pesquisas estéticas contemporâneas.
Marcus de Lontra Costa
O REAL É O QUE VOCÊ VÊ
As nossas experiências diárias em um ambiente cada vez mais virtual estão deixando mais superficiais os nossos relacionamentos com o mundo real. Isto afeta a dimensão dos nossos sentimentos pois existe uma estreita relação entre o que vemos e o que sentimos.
A visão é o sentido humano mais convincente, mesmo que por vezes nem depois de ver com os próprios olhos acreditamos que algo possa ser real. “Realidade para a Semiótica é uma questão metafísica, já que seu interesse é puramente pragmático: entender as significações obtidas de acordo com a posição relativa do interpretante.” (Wilson Ferreira).
Temos um exemplo de perda do significado de realidade no estudo dos espelhos na Ótica Geométrica. Eles invertem as imagens e duplicam a distância (profundidade). Aprendendo a lidar com a profundidade enxergamos o mundo e a nós mesmos como um todo.
Espelhar é repetir. O espelho nos remete a questões históricas da filosofia e da psicologia em face ao sujeito e seu reflexo, ou seja, o real e o virtual. Reflexos e sombras nos espelham. Ao refletirmos no Narciso que vive em nós, nos confrontamos com o medo da sombra, do diferente em nós e do que não queremos ver no outro. Narciso morre porque não olha para dentro.
Parte da psicologia analítica de Carl Jung fala da consciência das sombras, onde se compreende como sombra tudo aquilo que fica no inconsciente, desconhecido, reprimido, negado, no aspecto pessoal, social, científico, tecnológico e cultural.
O REAL É O QUE VOCÊ VÊ
“Confrontar uma pessoa com a sua sombra é mostrar a ela sua própria luz.” Para Jung tudo tem sombra, mesmo que não receba luz. Compreender a dinâmica das sombras nos ajuda a entender que o conhecimento se baseia no erro, pois as certezas surgem das dúvidas. “...a sombra exerce também um outro papel, possui um aspecto positivo, uma vez que é responsável pela espontaneidade, pela criatividade, pelo insight e pela emoção profunda, características necessárias ao pleno desenvolvimento humano.”
A luz é limitada, a sombra não. E ela não pode ser eliminada. Como descrito sobre as sombras, aqui a obra também precisa ser conhecida e refletida através da trajetória de vida e da visão do outro. Espelhando o conceito Junguiano nos objetos apresentados, mesmo naqueles que não possuem luz, chegaremos nas sombras e os seus reflexos, ou seja o pensamento sobre elas e o que as causa.
Quando o pensamento se volta para o exame de seus elementos e combinações ocorre outro tipo de reflexão, a tomada de consciência, a necessidade de conhecer aquilo que é investigado, buscando diferentes perspectivas para se analisar um mesmo fato. Nesse instante, o espectador aproxima-se do autor, numa união virtual que objetiva captar a “coisa em si”.
Na verdade, é isso o que realmente nos interessa, pois só se pode obter um resultado satisfatório do que é requerido pelo objeto quando ele é compreendido como portador de significado e quando o receptor da mensagem capta o que é dito. Não importa do que a coisa é feita, no objeto há mudança de sentido da coisa. Tudo na vida é assim. O importante é como você vê o mundo e não como ele é.
Robson Macedo